Esses dias um grande amigo escocês que mora, coincidentemente, no Brasil foi assaltado a mão armada numa rua movimentada em Copacabana por volta de 9 da manhã. Ele teve uma chance e fugiu. Loucura com requintes de insanidade. Se o assaltante atira ele podia ter morrido pra salvar o celular e a carteira.
Só quem já foi assaltado sabe que junto com o celular, a carteira, o carro e afins vai um pedaço da gente também. A sensação da arma grudada na sua têmpora leva meses pra sumir e aquele pedaço da sua alma que levam junto parece que nunca cura totalmente.
A violência foi um dos motivos que pesou na balança do "mudar ou não mudar pra Escócia". Lembro como se fosse hoje, da raiva que senti quando cheguei em casa pra ver todas as minhas coisas saqueadas, minha casa virada do avesso. Chorei. Chorei muito quase o dia inteiro. Chorei igual criança no ombro de cada amigo que apareceu em casa aquele dia. E ainda assim não dormi direito por mais de um mês depois daquilo. Cada cachorro que fungava a 5 quadras dali me acordava.
Sabem o que a polícia fez? Bebeu cachaça enquanto o Octaviano fazia o boletim de ocorrência. Ainda bem que eu fiquei em casa, se eu tivesse ido na delegacia aquele dia eu teria sido presa por desacato, isso se eu não tivesse resolvido bater no policial.
Um pouco antes de vir pra cá minha mãe me enviou várias matérias de vários blogs de brasileiros que vivem no exterior e todos eles contavam da sua forma sobre como uma menor desigualdade social é o principal fator para que a sociedade dos chamados "países desenvolvidos" seja infinitamente menos violenta.
Não tenho nenhuma ilusão de que o europeu, ou o escocês, é um elfo educado, civilizado, bonzinho, lindo e maravilhoso. Eles jogam papel no chão, aqui tem roubo, tem assalto, tem gente na rua pedindo esmola. Não é o paraíso dos contos de fadas não. No entanto, aqui tem uma coisa que faz a diferênça: consequência. Quando as pessoas são pegas fazendo as coisas elas pagam pelo que fizeram e com certa frequência assombrosa elas são pegas.
Esses dias passou na TV um cara que teve a casa arrombada, levaram a TV e a bicicleta dele. A polícia foi lá com direito a "CSIs" tirar impressão digital da porta e conversar com os vizinhos. Até retrato falado do mané fizeram. Sem beber nenhuma gotinha de cachaça em serviço. Isso faz muita diferença.
Eu não tenho mais faxineira em casa, aqui é absurdamente caro pagar por uma. Dessa forma aqui em casa a gente lava, passa, coloca louça na máquina, aspira, varre, limpa o banheiro, lava a banheira, limpa as janelas imundas, remove os restos dos inquilinos anteriores, tudo isso estragando a minha unha que eu mesma faço porque uma manicure custa o olho da cara e faz unha pior que eu quando tinha 5 anos.
Acontece que aqui as pessoas no geral ganham melhor. Continuam existindo milionários e bilionários, mas não existem miseráveis. Os salários se encontram mais no meio, e assim a faxineira e a manicure não ganham muito menos que a gente. Sem miséria, que é invariavelmente o berço mor da violência, cria-se uma sociedade mais harmônica, menos violenta.
Eu moro no térreo e não tenho grades na minha janela. Nem na minha, nem na de ninguém. Eu (e metade da população de Aberdeen) volto a pé da balada pra casa, sem nenhum perigo de ser assaltada, inclusive porque existe um policiamento ostensivo na rua às 3 da manhã quando todos os bêbados deixam os bares.
Claro que pode ser que batam a minha carteira se eu ficar andando de bolsa aberta por ai, mas eu realmente acho que são inexistentes, nessa realidade, as chances de vir um mané, colocar uma arma na minha cabeça e gritar com a boca na minha cara "PASSA TUDO AE, DONA".
Eu torço para que o Brasil melhore, mas eu acho que vai levar um pouco ainda. Porque eu não sou ingênua em achar que a solução reside apenas em os políticos fazerem a parte deles. Sim, isso seria maravilhoso e uma boa parte da solução.
Mas a verdade é que a coisa é muito maior: cada um tem que fazer a sua parte. E isso requer que as pessoas parem de vender voto por carteira de habilitação, que ninguém mais suborne um policial pra escapar da lei seca ou do documento vencido do carro, que cada um pegue o táxi pra casa depois de beber, que as pessoas parem de tentar levar vantagem em tudo dando um jeitinho aqui e ali que no fundo está numa linha bem tênue entre o certo e o errado, isso quando não está absurdamente errado mesmo. Enfim... requer que todo mundo faça o que é certo todo dia em todas as coisas, requer o fim da lei de Gerson, requer uma lobotomia em massa.
Mas na nossa cultura parece que as pessoas acham bonito levar vantagem, passar o otário do lado pra trás. Começa pequeno, começa com a pessoa dirigindo no acostamento, porque ela (ao contrário do resto da população) é muito especial e não pode ficar parada no trânsito. Ai vai crescendo pro cara que faz rolo com o cartão alimentação no posto de gasolina e vende o vale transporte. Aí tem o Zé que vende atestado falsificado na praça e os vários Zés que compram pra emendar o feriado. Chega na pessoa que usa o bolsa família pra comprar calça de 300 conto pra filha (prejudicando as pessoas que efetivamente precisam do benefício). E a coisa vai crescendo, crescendo e num soluciona nunca. NUNCA.
O que mais dói é que muitas das pessoas que fazem repetidas vezes essas pequenas gigantes arbitrariedades são as mesmas que vão falar mal do Brasil e ressaltar a nobreza da Europa e dos Estados Unidos, a terra em que tudo dá certo. E elas ainda falam mal das das outras sem perceber que estão no mesmíssimo balaio de gatinhos. É bem irritante ver o povo sentar no rabo...
Mas enfim, voltando pra Escócia. É legal poder tirar o celular da bolsa e usar meu GPS sem medo de ser roubada. É legal ver as pessoas abrindo o computador no busão, ou no café, sem se preocupar com nada. E eu quero que um dia o Brasil fique assim também e eu acho que estamos no caminho certo, que estamos buscando um país mais igual. E acreditem... fazer a própria unha e limpar o banheiro nem dói tanto assim.