segunda-feira, 27 de maio de 2013

A violência, a Escócia e as calças de 300 reais


Esses dias um grande amigo escocês que mora, coincidentemente, no Brasil foi assaltado a mão armada numa rua movimentada em Copacabana por volta de 9 da manhã. Ele teve uma chance e fugiu. Loucura com requintes de insanidade. Se o assaltante atira ele podia ter morrido pra salvar o celular e a carteira.

Só quem já foi assaltado sabe que junto com o celular, a carteira, o carro e afins vai um pedaço da gente também. A sensação da arma grudada na sua têmpora leva meses pra sumir e aquele pedaço da sua alma que levam junto parece que nunca cura totalmente.

A violência foi um dos motivos que pesou na balança do "mudar ou não mudar pra Escócia". Lembro como se fosse hoje, da raiva que senti quando cheguei em casa pra ver todas as minhas coisas saqueadas, minha casa virada do avesso. Chorei. Chorei muito quase o dia inteiro. Chorei igual criança no ombro de cada amigo que apareceu em casa aquele dia. E ainda assim não dormi direito por mais de um mês depois daquilo. Cada cachorro que fungava a 5 quadras dali me acordava.

Sabem o que a polícia fez? Bebeu cachaça enquanto o Octaviano fazia o boletim de ocorrência. Ainda bem que eu fiquei em casa, se eu tivesse ido na delegacia aquele dia eu teria sido presa por desacato, isso se eu não tivesse resolvido bater no policial. 

Um pouco antes de vir pra cá minha mãe me enviou várias matérias de vários blogs de brasileiros que vivem no exterior e todos eles contavam da sua forma sobre como uma menor desigualdade social é o principal fator para que a sociedade dos chamados "países desenvolvidos" seja infinitamente menos violenta.

Não tenho nenhuma ilusão de que o europeu, ou o escocês, é um elfo educado, civilizado, bonzinho, lindo e maravilhoso. Eles jogam papel no chão, aqui tem roubo, tem assalto, tem gente na rua pedindo esmola. Não é o paraíso dos contos de fadas não. No entanto, aqui tem uma coisa que faz a diferênça: consequência. Quando as pessoas são pegas fazendo as coisas elas pagam pelo que fizeram e com certa frequência assombrosa elas são pegas. 

Esses dias passou na TV um cara que teve a casa arrombada, levaram a TV e a bicicleta dele. A polícia foi lá com direito a  "CSIs" tirar impressão digital da porta e conversar com os vizinhos. Até retrato falado do mané fizeram. Sem beber nenhuma gotinha de cachaça em serviço. Isso faz muita diferença.

Eu não tenho mais faxineira em casa, aqui é absurdamente caro pagar por uma. Dessa forma aqui em casa a gente lava, passa, coloca louça na máquina, aspira, varre, limpa o banheiro, lava a banheira, limpa as janelas imundas, remove os restos dos inquilinos anteriores, tudo isso estragando a minha unha que eu mesma faço porque uma manicure custa o olho da cara e faz unha pior que eu quando tinha 5 anos.

Acontece que aqui as pessoas no geral ganham melhor. Continuam existindo milionários e bilionários, mas não existem miseráveis. Os salários se encontram mais no meio, e assim a faxineira e a manicure não ganham muito menos que a gente. Sem miséria, que é invariavelmente o berço mor da violência, cria-se uma sociedade mais harmônica, menos violenta.

Eu moro no térreo e não tenho grades na minha janela. Nem na minha, nem na de ninguém. Eu  (e metade da população de Aberdeen) volto a pé da balada pra casa, sem nenhum perigo de ser assaltada, inclusive porque existe um policiamento ostensivo na rua às 3 da manhã quando todos os bêbados deixam os bares.

Claro que pode ser que batam a minha carteira se eu ficar andando de bolsa aberta por ai, mas eu realmente acho que são inexistentes, nessa realidade, as chances de vir um mané, colocar uma arma na minha cabeça e gritar com a boca na minha cara "PASSA TUDO AE, DONA".

Eu torço para que o Brasil melhore, mas eu acho que vai levar um pouco ainda. Porque eu não sou ingênua em achar que a solução reside apenas em os políticos fazerem a parte deles. Sim, isso seria maravilhoso e uma boa parte da solução.

Mas a verdade é que a coisa é muito maior: cada um tem que fazer a sua parte. E isso requer que as pessoas parem de vender voto por carteira de habilitação, que ninguém mais suborne um policial pra escapar da lei seca ou do documento vencido do carro, que cada um pegue o táxi pra casa depois de beber, que as pessoas parem de tentar levar vantagem em tudo dando um jeitinho aqui e ali que no fundo está numa linha bem tênue entre o certo e o errado, isso quando não está absurdamente errado mesmo. Enfim... requer que todo  mundo faça o que é certo todo dia em todas as coisas, requer o fim da lei de Gerson, requer uma lobotomia em massa.

Mas na nossa cultura parece que as pessoas acham bonito levar vantagem, passar o otário do lado pra trás. Começa pequeno, começa com a pessoa dirigindo no acostamento, porque ela (ao contrário do resto da população) é muito especial e não pode ficar parada no trânsito. Ai vai crescendo pro cara que faz rolo com o cartão alimentação no posto de gasolina e vende o vale transporte. Aí tem o Zé que vende atestado falsificado na praça e os vários Zés que compram pra emendar o feriado. Chega na pessoa que usa o bolsa família pra comprar calça de 300 conto pra filha (prejudicando as pessoas que efetivamente precisam do benefício). E a coisa vai crescendo, crescendo e num soluciona nunca. NUNCA.

O que mais dói é que muitas das pessoas que fazem repetidas vezes essas pequenas gigantes arbitrariedades são as mesmas que vão falar mal do Brasil e ressaltar a nobreza da Europa e dos Estados Unidos, a terra em que tudo dá certo. E elas ainda falam mal das das outras sem perceber que estão no mesmíssimo balaio de gatinhos. É bem irritante ver o povo sentar no rabo...

Mas enfim, voltando pra Escócia. É legal poder tirar o celular da bolsa e usar meu GPS sem medo de ser roubada. É legal ver as pessoas abrindo o computador no busão, ou no café, sem se preocupar com nada. E eu quero que um dia o Brasil fique assim também e eu acho que estamos no caminho certo, que estamos buscando um país mais igual. E acreditem... fazer a própria unha e limpar o banheiro nem dói tanto assim.

domingo, 26 de maio de 2013

Sou uma criatura darwinística


Adaptar 
a.dap.tar -  do latim adaptare
v.t.d. 1 Pôr em harmonia: Adaptar uma peça teatral. Adaptar o estilo ao assunto. v.t.d. 2 Fazer acomodar a visão: Adaptar os óculos. Adaptar o binóculo ao exame de uma paisagem. v.t.d. e v.t.i. 3 Tornar apto: Adaptara o aprendiz ao ofício. v.t.d. 4 Combinar, encaixar, justapor: Adaptar um verso a outro. v.t.d. e v.p.r. 5 Ajustar (uma coisa a outra): Adaptar o sapato aos pés. Adapta-se o corpo ao leito. v.p.r. 6 Aclimar-se: Adaptar-se ao meio. v.p.r. 7 Acomodar(-se), pôr(-se) em harmonia: Esta lição adapta-se a todas as mentalidades. Antôn: desadaptar, desacomodar, desajuntar, desajustar, desconjuntar, deslocar.
Adaptação
a.dap.ta.ção
s.f. 1 Ação de adaptar; resultado desta ação. s.f. 2 Integração de uma pessoa ao ambiente onde se encontra: a adaptação escolar de uma criança. s.f. 3 Adaptação ao meio, ação modificadora dos fatores externos sobre o comportamento e a estrutura dos organismos vivos: adaptação das plantas ao clima seco.


Requer esforço, mas o tio Darwin já disse que os que não se adaptam, sucumbem! Então vamos nos adaptar, certo? Ou não. Nos dias de hoje existe uma possibilidade belíssima de adaptar o meio a você, você ao meio e assim encontrar um lindo equilíbrio.

Quem quiser me criticar por isso, que me critique. Mas o fato é que não tô afim de ficar comendo feijão enlatado doce e vou continuar procurando loucamente um lugar que venda feijões pra eu cozinhar com sal e louro!

Claro que eu não posso transformar a Escócia no Brasil, então a gente vai passando frio um pouco aqui um pouco ali e o corpo vai se acostumando com a friaca lascada e mais hora, menos hora eu já estarei saindo de vestidinho na neve. Claro que eu devo admitir que não é nenhum esforço comer Shortbread com uma xícara de Earl Grey (feito com leite), tão pouco é um esforço andar na rua sem medo de ser assaltada, atravessar na faixa ou comer morango gigantes e super doces.

A Escócia tem várias vantagens, mas acontece que tem coisa que eu não quero ceder ou vou perder a alma brasileira. Então sovaco peludo num pode. Unha pintada só no meio e toda descascando por semanas a fio também não. Comer haggis eu passo. Essa mania de achar que toda vaca e todo ovo tem que vir da Escócia eu também deixo de lado.

Afora a questão culinária eu tenho me adaptado ao ambiente. Hoje, por exemplo, eu fui gringar ao sol. Sentei no parque, deitei na grama e fiquei lá, praticando o ócio criativo ao sol enquanto as crianças jogavam bola. Aliás, num comentário a parte, apesar do sol a temperatura continuava sofrível, no entanto, a praia estava cheia de gente roupa colocando o pé no mar do norte e sentindo a brisa polar.

Outra gringuice a qual eu aderi sem problemas, voltar andando da balada pra casa ao invés de dirigindo. É perto e seguro... só podia acabar depois das 3 da manhã, não que eu sinta falta de ver o sol nascer ao voltar da balada, porque as 3:30 o sol já está nascendo, mas porque eu sinto falta de curtir e curtir, e curtir e curtir e curtir... 

Mais uma que eu me adaptei super fácil: ingresso unificado de cinema. É... eu pago um valor mensal e assisto quantos filmes minha lombar me permitir. Mais uma das escocices que eu me adaptei super fácil: pint. Cerveja no pint é gostoso, beba que eu acabo bebendo mais do que devo, mas em breve eu estarei mais adaptada (ao álcool, não a beber menos).

Mas a alma é brasileira e entre adaptar o meio a mim e me adaptar ao meio eu vou levando e continuo esperando as visitas.

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Cadê o frentista mesmo?



A gente sempre lê nos blogs dos brasileiros sobre como nós, mimados mortais, sofremos e pagamos micos na primeira vez que vamos abastecer nossos próprios carros na gringa. E ai a gente pensa "Num deve ser tão difícil, esse povo exagera" e vai pro posto meio nervoso, meio arrogante, achando que seremos os primeiros a conseguir.

Pra nossa sorte, nossa primeira experiência do tipo foi na presença de um grande amigo gringo que ensinou o Octaviano (eu não, estraga o meu esmalte!) a abastecer. Ai, quando fomos devolver o carro alugado no domingo, ainda de ressaca - dor de cabeça e boca amarga - a gente jurou que seria fácil. 

Pra começar a epopeia tava rolando uma corrida aqui perto de casa e tava TUDO engarrafado, pois as ruas estavam todas interditadas pra tal da corrida (fala sério, quem quer acordar cedo pra correr no frio e na chuva?). Depois de a gente se perder, girar e rodar por ai achamos um posto finalmente.

Ai vem a primeira mancada. Eu paro na bomba e tem lá diesel sbrubles, diesel zinza e suco de laranja. Eu juro, tinha uma propaganda de suco de laranja na bomba de gasolina!!! Eu olhei praquilo e do alto de toda a minha ressaca eu entortei a cabecinha e pensei "o que raios é isso?".

Passado o susto o Octaviano sai pra abastecer, vai lá e coloca o cartão na máquina, já um local esse meu marido, que orgulho! Tudo lindo e perfeito, teria sido fantástico não fosse um detalhe. Quando estamos saindo do posto o ponteiro continuava lá em baixo...

Tentei dar ré, mas era como se pelo fato de o posto estar numa rua de mão única ele também tivesse mão e uma leva de gringos começou a olhar muito feito pra mim e achei melhor sair do posto e dar a volta. Sai, dá a volta no quarteirão, se perde 3 vezes no caminho, volta pro posto. Decido sair do carro junto com o Ô.

E a gente coloca suco de laranja, a bomba trava e o ponteiro num sobe. Coloca mais um pouco. Nada! Mais um pouco e... nada. Derruba gasolina na lataria e... NIENTE!

Resolvemos ir pra locadora e mostrar os 13 recibos do posto de gasolina pra provar que tava cheio o tanque e que o ponteiro tava quebrado. A essa altura, todo mundo morrendo de fome no carro, a gente sai do posto e se perde (claro!) em direção à loja.

E quando chegamos a locadora de veículos... o ponteiro (esse filho-duma-mãe-mal-trapilha) tava no lugar! E o cara olha na maior caruda e fala "é... eu sabia que tava quebrado". Ahhhh! Sabia seu filho de uma-puta-lazarento! Porque não avisou quando a gente tirou o carro daqui então, seu imbecil?

Passada a raiva e gente teve a brilhante ideia de ir tomar um English Breakfast... ai se arrependimento matasse. Passei o dia inteiro lesada e tive uma dor de estômago sem noção. Eu sempre soube que não ia gostar daquilo, agora eu tenho certeza. Eu não gosto daquilo.

Enfim, nosso mico posto de gasolina nem foi tão grande assim, mas num custa compartilhar com os amigos pra vocês poderem sorrir um pouco.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Saia não, kilt!



Brasil, lindo país tropical, cheio de mulatas prontas para sambar a cada esquina, prontas para o carnaval. Cercadas de malandros alcoólatras sambistas que batem carteiras por hobbie enquanto jaguatiricas atravessam a Paulista e pedestres transitam em cipós pendurados no prédios.

Pois é coleguinha, da mesma forma que não somos esse monte de clichê e merda, também não os são os escoceses. Então se você espera chegar aqui e ver um monte de ruivo vestindo kilts, tocando gaitas de fole e bebendo whisky 7 dias da semana, enquanto gritam "freeeeeeeeeedom", você vai se decepcionar muito.

Esclarecer toda uma cultura milenar em um post é impossível, ainda mais quando nem eu mesma terminei de compreende-la. Então vamos começar pelo kilt. E não, eu não recomendo  chamar de saia porque eles ficam ofendidos. A não ser, é claro, que você ache legal ofender os outros.

O kilt é uma vestimenta tradicional que tem um longa história, que pode ser lida em detalhes nos links ao final desse post, eu farei um super mega resumo. Então vamos lá: resumidamente, em algum momento entre os séculos 17 e 18 trabalhadores escoceses criaram uma roupa de lã que era quase uma túnica e que era útil porque durante a noite eles podiam desmontar a roupa e usar como cobertor no meio dessa friaca da porra.

A roupa foi evoluindo até se tornar uma saia devidamente plissada e começar a possuir tartans específicos. Só que o kilt acabou marcando o sistema de organização por clãs e quando os jacobinos e a guerra civil entre os clãs começou o kilt foi tomado como um símbolo do sistema de clãs e por isso o Rei George II cria um "dress act" em 1746 e bane o kilt - a não ser para os membros do exército.

Até que em um outro o George, o IV, vai vistiar a Escócia em 1822 e o pessoal quer receber o rei com pompa e cerimônia, mas sendo eles escoceses, aproveitaram pra dar uma cutucadinha e fizeram uma cerimônia toda Gaélica e re-inventaram o kilt. Georginho deve ter gostado, porque depois disso ele usa um kilt o que ajuda a popularizar a vestimenta e a torna um símbolo escocês (apesar de existirem kilts na Irlanda também!).

Tá bom de história, vamos continuar agora com o que é um kilt. O kilt em si é a "saia", mas na versão completa e formal ele vem acompanhado de várias outras coisas que são uma camisa (que é uma camisa de kilt, uma pouco diferente e sempre com abotuaduras), gravata, colete, jaqueta (váááááários modelos), uma meia que vai até o meio da perna, um sapato de amarrar cheio de frescura, uma adaga (que encaixa na meia) que se chama Sgian Dubhs, um broche que vai preso a saia, uma "bolsinha" chamada sporran presa a um cinto (cujo objetivo é pesar na saia e cobrir tudo lá embaixo quando a criança senta de perna aberta) e nenhuma cueca. Isso mesmo, nada de cueca em baixo do kilt - existem inúmeras fotos na internet para confirmar esse fato... vai lá no google vai. 

E sobre a tal da faquinha, a Sgian Dubhs; diz um amigo meu que é a única situação em que o porte de uma arma branca não é considredo crime na Escócia. Mas eu não tenho fontes confiáveis para confirmar o tal fato.

Ahhh e claro, o tartan. O tartan nada mais é que uma estampa xadrez, mas ele é muito mais do que isso. No começo ele definia a região de que a pessoa era originária, cada região tinha o seu tartan característico. Mas após o lance do Rei George ele passou a ser específico por clã. Cada clã tem o seu tartan (ou tartans) que só pode ser usado pelos membros do clã, os demais usam tartan que não pertençam a clã nenhum. Entendeu?

Agora, o usos do kilt. O primeiro é pra tocar gaita de fole na rua e assim ganhar muito dinheiro de turistas idiotas, mas não nego que o charme da gaita de fole tocada de kilt é sensacional e até onde eu vi eles sempre que se apresentam formalmente tocando bag pipes estão devidamente vestidos com seus kilts e preferencialmente um chapéu estranho.


O segundo uso do kilt é para situações formais, em que ele é usado completinho, igual aos que aparecem nas fotos abaixo (demonstrados por 3 fantásticos exemplares da genética escocesa). Basicamente esse kilt é usado em situações em que se pode usar um smooking ou um fraque. Logo: casamentos, formaturas, bailes de debutantes, entrega do Oscar, etc.



Temos também a versão informal. Que nada mais é do que a parte principal do kilt, ou seja "a saia", sem todo o complemento, pode ir com camiseta, camisa e sandália, bota, camiseta de time, sem camisa e de havaianas. Esse ai é usado pra várias coisas: partidas de futebol, festivais de música, atos patrióticos, festas de ano novo na casa da Má...


O último uso é quando você é um membro da família real e te dá vontade de usar. Afinal, você é um membro da família real e, portanto, pode fazer tudo o que quiser. E ai você se pergunta: mas... ué? Os escoceses e o Mel Gibson não querem ser livres da Betinha? Esse lance de liberdade e independência é lance para todo um outro post, mas... não se esqueçam que o marido da Betinha - a.k.a. Her Majesty The Queen - é o Duke of Edimburgh (capital da Escócia), que na verdade é grego, filho de dinamarqueses, mas foi criado na Escócia, ou não!




Tudo que você nunca soube que queria saber sobre kilts:

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Como ser odiada pelos vizinhos



Meu prédio é bem bonitinho, tranquilo, calmo, silencioso. Os vizinhos são algo fora do normal no quesito falta de simpatia.

Maíra: Good Morning
90% dos vizinhos: olhar estranho do tipo "só se for pra você!"

E até então os olhares não tinham muito motivo. Tudo bem, eu sou super barulhenta pros padrões locais. Tudo bem, coloquei uma bandeira gigante na janela que grita pra todo mundo que eu sou lá da terra do calor, caipirinha e samba. Mas ainda assim, não era o suficiente para um pacote de austeridade tão grande. Até ontem... quando eu quase taquei fogo no prédio.

Antes de continuar contando, quero ressaltar que eu sei que devia ficar calada, pra evitar a fadiga familiar e a minha mãe pirando via skype sobre o meu total nível de irresponsabilidade. Fora o risco de em caso de um processo judicial tudo que eu disser (e escrever) pode e será usado contra mim no tribunal. No entanto, contrariando o juízo e o bom senso, a piada é simplesmente muito boa pra deixar passar.

Findo o meu parêntesis continuo minha história dizendo que ontem foi um dia estranho. Foi mais difícil acordar do que normalmente já é, eu estava sem fome, sem vontade de escrever, sem vontade de falar. Liguei pra uma brasileira que acabou de chegar pra ver se espantava a 'nhaca' e fomos tomar um café e bater perna e tudo parecia melhorar.

Só parecia. Pois na sequência uma séria de coisas inesperadas aconteceram: Fui à academia (vai rolar uma tormenta tropical em Aberdeen por conta disso) e - pasmem - fui mais mal atendida em uma delas do que em qualquer lugar em Macaé. Sai triste com o tratamento da academia e fui pro mercado e não tinha batatas!!!!!!! Como assim??? A alimentação desse país é basicamente baseada em batatas e não tem batatas no mercado. É... como eu disse, era um dia estranho.

A falta de batatas me fez comprar uma bandejinha com 4 batatas gourmets cheias de frescura e eu vim pra casa fazer minha carne moída com batatas. Só que as tais das batatas não cozinhavam de jeito nenhum. A carne já boazona e a batata lá, toda dura. Coloquei mais um pouquinho de água e blá, blá, blá... resultado: queimei a carne e as batatas. Ah! Depois de salvar a carne (e a porra das batatas) que estavam comestíveis eu tentei (note que eu tentei) salvar a panela. Coloquei água e coloquei a panela no fogo, coloquei bastante água e coloquei a panela no fogo. Tipo, muita água mesmo, pra ferver e soltar a carne. E ai eu caguei, sentei em cima, espalhei a mãozinha na merda e passei na cara.

Eu sai da cozinha acalentada pelo fato que o apartamento é tão pequeno, que eu estaria do lado de qualquer forma. E ai eu, que em breve me juntarei ao Candy Crush Anônimos, me distraí. Foi quando o alarme de incêndio disparou e o Octaviano veio gritando (isso é raro, então quando acontece eu presto muita atenção) que eu vi o nível de caos revelado perante meus olhos.

O alarme disparava, o Octaviano desligava, disparava o outro alarme. Uma fumaceira desgraçada pela casa, um fedozão de borracha queimada. O pé de manjeriquinho murchando automaticamente em segundo. Desliguei o fogo e num parava de sair fumaça. As janelas que quase não abrem, a coifa que num funciona. Era o ensaio do apocalipse rolando em 53m2. 

Joguei a panela na pia e abri a água fria. Ai veio uma nuvem negra de fumaça. Dispara o alarme de novo, o outro alarme. Todas as janelas da casa abertas. O majeriquinho a essa hora já estava morto, a casa inteira tomada por aquele agradável cheiro de pneu queimado.

Apagado o fogo, mas a casa ainda tomada de fumaça fui ver o nível da cagada. Tinha gordura no cago da panela e o cabo da panela derreteu. E o cabo da panela deve ser de algo muito tóxico, muito mesmo... tipo, espuma fajuta de isolamento acústico de balada. O cheiro, cara... o cheiro. Até agora tá tudo fedendo.

Passado o susto, eu até tô rindo do nível da minha merda, mas eu num quero nem pensar no que poderia ter acontecido, no fato de que todos os meus ex-colegas de trabalho do QSMSOS me matariam nesse momento, na bronca que eu vou levar da minha mãe 5 minutos depois de ela ler isso e como, de hoje em diante, NENHUM vizinho nunca mais vai me dar bom dia.

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Gringo faz gringuice!

Já diria meu marido "Gringo só faz gringuice". Não posso deixar de concordar, do amigo que passou meses pedindo "2 pau na chapa" ao chefe que olhou pro garçom e disse "eu quero um grelo de frango". Mas agora que os gringos somos nós, a coisa ficou bem mais... interessante.

Ser gringo na Escócia é relativamente fácil, principalmente quando você já passou aquela barreia inicial da língua e no geral entende o que eles falam (sempre tem a avó do Steven pra me lembrar que no fundo eu não entendo o que eles falam) e bem ou mal veio relativamente informado sobre como as coisas aqui funcionam, mas... gringo só faz gringuice.

Então vamos rever a minha coleção de mini-micos em quase 2 semanas:


  • Eu sozinha tentando carregar 2 malas gigantes (uma pesava 31,5 a outra 27 quilos) + a mala de mão, todas de rodinhas, sem carrinho, entrando no trenzinho que leva do terminal 1 para o terminal 5 do aeroporto! Eu não vou me aprofundar nos detalhes, mas acreditem quando digo: foi ridículo. Pra minha sorte dois anjos que sentaram ao meu lado no avião estavam indo para o mesmo terminal e me ajudaram com as malas.
  • Eu torcendo o pé dormindo sentada no avião entre Londres e Aberdeen (não perguntem, eu não seria capaz de responder como eu fiz isso) e depois mancando até chegar em casa.
  • Segundo dia a gente sai pra jantar com o pessoal do trabalho do Octaviano e a primeira pessoa que eu conheço eu juro que fala "o tempo está bom" e eu respondo "está mesmo" só pra em 3 segundos o Octaviano me corrigir dizendo "ele comentou que está feliz que chegamos no horário". Eu teria rido muito se não estivesse com a cara no chão.
  • Terceiro, quarto, quinto... dias: eu disparando o alarme de incêndio toda vez que vou grelhar alguma carne!
  • No dias das compras (vivendo em Macaé 5 anos eu não tinha mais roupa de frio e a primavera aqui é o mais frio dos invernos no bom e gélido Rio Grande do Sul) eu entrei em uma das lojas procurando um casaco e achei a maior calcinha de todos os tempos e o menor short de todos os tempos. Eu juro que aquele short era maior que aquela calcinha. Ai, fui tirar uma foto, né? Só que a monga esqueceu de tirar o flash e o barulho... a loja inteira olhou, né? Ai veio a vendedora, toda educadinha, falar que não podia, né? E ela ainda explicou que eu não podia imitar o modelo da loja... achei melhor não explicar pra ela que eu num queria imitar um short que aparece a popinha da bunda e nem usar a calçola da minha bisavó... mas preferi deixar quieto.
  • A gente tem que cozinhar, afinal não dá pra levar vida de turista e almoçar e jantar fora. Então lá fui ao mercado comprar as coisas e ai eu chego na prateleira do arroz e pra minha total surpresa existem uns 8 tipos de arroz branco diferentes, mais arroz vermelho, arroz preto, arroz integral, arroz japonês. Eu comprei um ai, não era o certo. Da próxima vez eu testo outro.
  • Da mesma forma existem 2 lentilhas (verde e vermelha), 500 tipos de feijão (todos enlatados e pré cozidos), mais de 6 tipos de creme (Biel... socorro, qual o creme de leite igual ao nosso? Calma, Má. Compra o Double Cream.), 2 tipos de açucar (peguei o mais barato e só vi em casa que ele era de beterraba e não adoça nada)... enfim, não tô reclamando. Mas leva um tempo pra você entender o que comprar. Ou a gente espera os amigos e a muamba.
  • Primeira aula da patinação artística no gelo. Ahhhh! Podem rir só de ler isso. Os que me conhecem sabem a descordenação da garota. Mas vamos lá, não foi ruim e eu quebrei apenas 1 unha. Só que pra quem estava de fora deve ter sido, no mínimo, pitoresco ver uma mulher "maior-que-os-anões-gigantes" dando 3 voltas no ringue grudada na parede. A minha bunda agradece.
Mas o lugar é lindo, tranquilo, frio. A casa é fofa (apesar do meu recém adquirido ódio mortal por carpete). Os escoceses e os outros gringos (como nós) que conhecemos até agora são muito gentis e amistosos. Então fiquem tranquilo que a coisa aqui tá boa e estamos esperando visitas.